Qual a diferença entre o homem e o animal?

Zenit

Entrevista com professor Leopoldo Prieto, LC

Qual é a diferença entre o homem e o animal? Esta pergunta clássica continua apaixonando milhões de pessoas no início do século XXI. Um livro oferece agora uma resposta científica e cristã.

«Acima de sua condição biológica, o homem é chamado a abrir-se pelo conhecimento a novas realidades», disse Bento XVI; Também os animais conhecem — afirmava o Papa — «mas só aquelas coisas que dizem respeito a sua vida biológica». Diferente deles, «o homem tem sede de conhecer o infinito».

Estas palavras do Papa encerram uma orientação para a cultura de nossos dias na candente, e nem sempre clara, questão do homem e o animal.

Um exemplo desta situação no âmbito espanhol foi o projeto de lei (11 de abril de 2006) da Câmara dos Deputados pelo qual se instava o Governo espanhol a aderir ao projeto grande símio (idealizado pelos animalistas Peter Singer e Paola Cavalieri) para promover a paridade de tratamento jurídico a todos os integrantes da «comunidade dos iguais», integrada pelos grandes símios e as pessoas humanas.

Para compreender melhor este fenômeno cultural de nosso tempo, Zenit entrevistou Leopoldo Prieto López, LC, professor de filosofia no Ateneu Pontifício Regina Apostolorum (Roma), interessando-se por seu livro, recentemente publicado na Espanha, «O homem e o animal: novas fronteiras da antropologia» (BAC, Madri, 2008).

O volume apresenta os resultados de diversas investigações interdisciplinares de biologia e filosofia sobre o tema do homem e de suas relações com o mundo animal.

—Qual o seu objetivo ao escrever este livro?

—Pe. Leopoldo Prieto: Um objetivo simples, mas que considero promissor para a renovação dos estudos sobre o homem. Até o começo do século XX a antropologia era elaborada pensando quase exclusivamente nas faculdades do espírito humano (entendimento e vontade). Chamava-se por isso psicologia racional. Mas como as faculdades racionais são algo peculiar que diferencia o homem do animal, deixava-se de lado o estudo das dimensões físicas da natureza humana, comuns com o mundo animal. Este enfoque supunha um certo cartesianismo de fundo e, sobre tudo, a perda da fecunda doutrina aristotélica da alma como «forma» do corpo. Em várias de suas obras sobre biologia, Aristóteles explica o que supõe concretamente que o homem seja um «animal racional». A intuição genial deste filósofo não está em admitir a peculiaridade que a inteligência confere ao homem sobre outros animais — coisa perfeitamente sabida pelos filósofos precedentes — mas sim em fazer depender da inteligência a típica conformação corporal própria do homem. Por isso, se a alma é na verdade «forma» do corpo, é possível expor o estudo da antropologia de um novo ponto de partida que centra sua atenção inicialmente sobre o corpo humano.

—Mas não é isto uma concessão ao materialismo antropológico em voga?

—Pe. Leopoldo Prieto: Não, pelo contrário. É uma mudança de perspectiva da antropologia que abre possibilidades muito fecundas para o estudo do homem, além de reconhecer as justas exigências de uma revalorização da dimensão física da natureza humana. Se a alma está em todo o corpo como sua «forma», é lógico que ela deixe algum rastro. Pois bem, esses rastros existem e são inequívocos.

—Quais são esses rastros que a alma racional deixa no corpo humano?

—Pe. Leopoldo Prieto: Há dois traços físicos, inexplicáveis segundo a biologia, pelos quais se pode afirmar (num sentido filosófico) que o corpo humano é o correlato físico da alma de um ser racional.

Os traços são: a inespecialização morfológica do corpo humano e a carência de instintos. Em virtude do primeiro, o corpo humano reproduz, a seu modo, a ilimitada abertura da razão humana à realidade, aparecendo assim como um corpo aberto, quer dizer não-especializado (embora por isso mesmo mais vulnerável fisicamente), desvinculado do ambiente físico e livre das cadeias que o meio ambiente impõe à morfologia de qualquer animal. Do mesmo modo, a ilimitada abertura da vontade (que é o fundamento profundo da liberdade), tem uma correspondência análoga na indeterminação física da conduta humana, que se encontra desamparada (ou liberada, dependendo da perspectiva) do instinto animal, com as vantagens e inconvenientes que isso envolve; assim, o homem se torna capaz de conduzir por si mesmo, guiado pela razão, todas as suas ações. Diante disso, a diferença entre o animal e o homem não poderia ser maior: o animal é conduzido pelo instinto, que a sua vez é posto em marcha pelos excitadores orgânicos que reagem diante dos estímulos do meio ambiente; o homem, ao invés, se se conduz pela razão, que propõe motivos à vontade, por meio da qual se governa a si mesmo.

—Por que dá tanta importância ao fato da inespecialização morfológica?

—Pe. Leopoldo Prieto: Efetivamente, a inespecialização morfológica é um fator de grande importância na reinterpretação da antropologia que o livro propõe. A adaptação ao meio ambiente é uma lei fundamental da biologia. Todos os animais, em maior ou menor medida, estão adaptados morfológica e funcionalmente ao próprio hábitat. Ao contrário deles, o homem, seguindo uma estranha exigência extra-biológica, manifesta em seu próprio corpo uma sistemática rejeição a ficar aprisionado por certas formas orgânicas especializadas. Isto já se sabia no tempo dos gregos. Mas naquela época não se podia dar uma explicação deste fato segundo os dados biológicos conhecidos hoje.

—Em seu livro diz você que a inespecialização é um caráter primitivo dos organismos. Pode explicar esta idéia?

—Pe. Leopoldo Prieto: É assim mesmo. Esta é outra das contribuições mais interessantes deste trabalho. Os estados morfologicamente especializados são sempre etapas tardias no caminho evolutivo de uma espécie. Frente a eles, a carência de especialização denota sempre um caráter arcaico. Toda especialização representa a perda de muitas possibilidades latentes no órgão não-especializado (e primitivo) em benefício do desenvolvimento intenso de uma determinada possibilidade adaptativa. Raciocinando a partir disso tiramos uma conclusão muito interessante, por suas implicações na delicada questão da evolução do homem. A questão é esta: se a carência de especialização reveste sempre o caráter de primitivismo, e se os estágios especializados são sempre estágios finais no caminho da evolução, daí se conclui que é impossível que as configurações morfológicas primitivas (como o crânio, a mandíbula, mãos e pé humanos, etc.) procedam de outras posteriores mais evoluídas, como são todos as características morfológicas altamente especializadas dos símios.

—Se não entendi mal, isso quer dizer que o homem é uma criatura menos evoluída que os macacos?

—Pe. Leopoldo Prieto: Isso mesmo. Ou menos evoluída, ou evoluída de um modo contrário aos símios. Um estudioso sugeriu, não sem certa ironia, mas indicando algo substancialmente verdadeiro, que, para defender o evolucionismo, seria preciso defender, em lugar da velha imagem do século XIX, do evolucionismo de um homem que deriva do macaco — a famosa série de indivíduos que passam de semi-quadrúpedes até o homem atual erguido —, justamente o contrário, ou seja, a idéia de um macaco (como ser altamente especializado e adaptado à forma de vida arborícola) que procede do homem, um ser muito mais primitivo e menos especializado.

—Uma idéia um pouco chocante, não lhe parece?

—Pe. Leopoldo Prieto: Pode ser, de um ponto de vista cultural, mas do ponto de vista científico é bastante bem fundada. Autores de renome científico afirmaram que a filogenia dos macacos antropóides consistiu em uma simiação crescente a partir de formas arcaicas mais parecidas com as humanas, frente à hominização progressiva da série humana. Houve inclusive quem falou que a desumanização progressiva do macaco.

—Qual é o primitivismo humano que você considera de maior importância?

—Pe. Leopoldo Prieto: Sem dúvida, o primitivismo do crânio humano, um caso muito bem estabelecido e de particular relevância. Retrocedendo no desenvolvimento ontogenético dos vertebrados (principalmente nos mamíferos) até a fase embrionária, vão aparecendo cada vez mais semelhanças entre o crânio destes e o crânio humano. Por exemplo, no crânio dos grandes símios, em seu período embrionário e infantil, é possível reconhecer muitos traços humanos (crânio arredondado, colocado verticalmente sobre a região facial, que aparece quase sem a proeminência do focinho), que, entretanto, desaparecem ao alcançar a maturidade, justamente quando o crânio do símio começa a adquirir os traços tipicamente animais: a zona facial experimenta um poderoso desenvolvimento para a frente, formando um plano contínuo com uma testa retrocedida. Ao contrário destes animais, nos seres humanos se conserva a disposição embrionária do crânio ao longo de toda a vida. Se compararmos o crânio do homem e o de qualquer grande símio em seu estágio infantil, a semelhança é surpreendente. Etienne Geoffroy Saint-Hilaire, por exemplo, observava em 1836: «O crânio de um orangotango jovem tem uma grande semelhança com o da criança. Na cabeça do filhote de orangotango encontramos os graciosos traços infantis do homem; mas se considerarmos o crânio do adulto encontramos formas animalescas de uma nítida bestialidade». Como sugeri antes, o crânio dos filhotes de macaco conserva uma espécie de esboço de humanidade.

—Os biólogos atuais falam da origem neotênica das propriedades especificamente humanas. Você pode explicar brevemente o que é a neotenia?

—Pe. Leopoldo Prieto: Este curioso termo é definido como o «fenômeno pelo qual, em determinados seres vivos, se conservam caracteres larvais ou juvenis depois de terem alcançado o estado adulto». Efetivamente, a neotenia é uma teoria que explica a origem dos primitivismos humanos, pondo-os em relação com traços fetais e embrionários, presentes em todos os mamíferos em seu estágio embrionário e abandonados na forma adulta, mas mantidos permanentemente no homem em sua forma adulta. Como foi demonstrado, os traços embrionários são os portadores de formas primitivas não especializadas, abertos portanto a uma ampla gama de possibilidades evolutivas. Os caracteres embrionários ou neotênicos, ao se consolidarem no homem adulto, evitam neste a necessária vinculação morfológica ao hábitat que é própria de toda especialização morfológica animal. Esta doutrina foi batizada com o nome de «neotenia» por J. Kollmann (1885), mas adquiriu maior respeitabilidade científica no século XX, sobre tudo a partir de uma obra do S. J. Gould de 1977. Mas essa idéia era muito mais antiga.

—Passando a outro tema do livro, o que você pensa da inteligência dos animais?

—Pe. Leopoldo Prieto: Em primeiro lugar, teríamos que determinar com precisão o conceito de inteligência. Normalmente, quando se diz que um determinado animal é inteligente, se quer dizer que ele dispõe de alguma capacidade psicológica que lhe permita realizar condutas complexas ou de grande precisão. Em realidade, se a inteligência consistisse nisto, virtualmente todos os animais seriam mais inteligentes que o homem, cuja dotação de conhecimento sensorial é bastante inferior em precisão e certeza à de muitos animais. O termo próprio para indicar a complexa e especializada conduta do animal é instinto. A conduta de um animal é tão mais certeira e precisa quanto mais depende da determinação unívoca que é própria do conhecimento sensorial e do instinto. Por outro lado, o estudo do instinto é uma fonte inesgotável de conhecimento para os estudiosos da conduta animal, extremamente precisa para o particular, mas cega para o geral. Por sua parte, o próprio da inteligência é comportar-se inicialmente de um modo incerto e vacilante (porque carece da determinação unívoca do sentido), mas com capacidade de aprendizagem, de modificação contínua e de progresso da conduta. Na realidade, o animal não é inteligente. Embora haja um sentido da expressão «inteligência prática» que pode ser aceitável aplicado ao animal, é importante deixar claro que a inteligência, propriamente dita, envolve um novo modo de relacionar-se com as coisas, que é inacessível ao animal.

—Entretanto, alguns etólogos falaram da «conduta curiosa» de alguns animais…

—Pe. Leopoldo Prieto: Efetivamente. Em especial, K. Lorenz fez valiosas observações sobre alguns animais de conduta exploratória ou curiosa, em cujas ações, ao invés da rigidez própria do instinto, observa-se uma certa semelhança à conduta objetiva, tipicamente humana. Mas a conduta curiosa destes animais não é propriamente de natureza intelectual, porque não é capaz de considerar a natureza dos objetos descobertos na exploração. Mesmo assim, um mérito inegável destes estudos foi a interessante confirmação da relação que existe entre tipo de conduta e conformação morfológica do animal. Um animal de conduta curiosa, como por exemplo o corvo, que tem um amplo repertório de condutas, deve dispor de uma motricidade suficientemente ampla para poder satisfazer a vasta gama de objetos e ações que a exploração lhe descobre. Uma especialização morfológica desenvolvida permitiria uma série muito precisa, mas muito limitada, de movimentos. Por isso, a relativa carência de especialização destes animais lhes permite povoar hábitats muito diversos. Já foi dito que os animais “curiosos” se especializaram em não ser especializados, algo — como se vê — que é próprio, principalmente, do homem.

—O que você pensa da linguagem dos animais?

—Pe. Leopoldo Prieto: Como é lógico, a questão da linguagem depende da da inteligência. A linguagem é expressão do que se conhece. E assim como há diversos modos de conhecer (inteligência e conhecimento sensorial), há diversos modos de comunicar o que se conhece. É claro que os animais se comunicam entre si, e alguns deles o fazem de um modo extremamente complexo e preciso. A realidade da comunicação animal deriva de duas premissas evidentes: primeiro, o animal tem conhecimento sensitivo; e segundo, é um ser social, de onde procede a necessidade de comunicar aspectos de interesse biológico aos seus congêneres. Pois bem, não se pode chamar esse tipo de comunicação, rigorosamente, de linguagem. A linguagem é o modo próprio de comunicação de um conhecimento intelectual (abstrato, ou como também é chamado, simbólico). Como o conhecimento inteligente é exclusivo do homem, a linguagem também o é. Esta conclusão é constatada continuamente pelos estudiosos de psicologia animal. Portanto, a diferença fundamental entre comunicação animal e linguagem humana consiste em que a primeira é expressão afetiva do próprio estado orgânico do animal, enquanto que a segunda é, acima de tudo, manifestação objetiva do próprio modo de ser da coisa conhecida. É o que se chama compreensão. Esta é a verdadeira fronteira entre a comunicação animal e a linguagem humana.

—Mas não se demonstrou que alguns macacos especialmente espertos são capazes de interagir inteligentemente com o homem, inclusive usando o computador?

—Pe. Leopoldo Prieto: Os experimentos realizados com macacos, especialmente com chimpanzés, com o propósito de demonstrar a existência de aptidões lógicas nos mesmos, revelaram-se sempre um grande fracasso. Foram empregados muitos recursos e tempo, mas os resultados foram sempre decepcionantes. O único que conseguiram provar é a existência de memória associativa (que é a base do adestramento animal), mais ou menos desenvolvida, nesses animais. Os próprios investigadores tiveram de reconhecer que os chimpanzés, inclusive depois de um intenso adestramento lingüístico, permanecem no nível de comunicação de que estão dotados naturalmente. Isto significa que o que foi «aprendido» por estes animais por meio do adestramento não foi «compreendido». Por isso, não chega a formar parte do próprio patrimônio comunicativo, nem é transmitido à sua prole. Portanto, tudo o que foi obtido com estes experimentos, tão sofisticados como obstinados, foi a associação de imagens com determinadas ações (em número bastante reduzido), reforçada por meio daqueles prêmios que mais interessam ao animal (comida, passeio, etc.).

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